Brasil aposta alto: e quem paga é o SUS

O crescimento explosivo do setor de apostas esportivas on-line, conhecidas como BETS, transformou o Brasil em um dos maiores mercados do mundo nesse segmento. Estima-se que, só em 2024, a movimentação ultrapasse R$ 130 bilhões. Por trás desse número bilionário, no entanto, esconde-se um esfacelamento social com efeitos alarmantes na saúde da população: o endividamento de famílias, o agravamento das desigualdades e o aumento dos transtornos mentais — especialmente a ludopatia, ou vício em jogos.


Reconhecida pelo Ministério da Saúde como um problema de saúde pública, a ludopatia exige uma resposta urgente do Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS), no entanto, ainda não dispõe de uma linha de cuidado estruturada, tampouco de capacidade suficiente para absorver a crescente demanda. Não há ações preventivas consistentes e os serviços existentes operam com escassez de recursos.


A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), responsável por acolher os casos de sofrimento psíquico relacionados ao jogo compulsivo, está sobrecarregada, faltam formação técnica, protocolos clínicos, ações de prevenção e estrutura adequada. O Tribunal de Contas da União (TCU) já apontou falhas no enfrentamento do problema por parte do governo federal, com destaque para a ausência de indicadores específicos, a articulação institucional frágil e campanhas de conscientização ainda tímidas.


Mais grave ainda é o impacto direto nas famílias brasileiras. Pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), têm comprometido sua renda com apostas. Jovens, crianças e adolescentes são alvo constante de marketing agressivo, promovido por plataformas que utilizam influenciadores digitais e ídolos do esporte como garotos-propaganda. A associação entre apostas e esporte distorce valores, incentiva o uso irresponsável do orçamento familiar e fragiliza o próprio ambiente esportivo, com aumento dos riscos de manipulação de resultados e perda de credibilidade nas competições.


A regulamentação vigente — Lei nº 14.790/2023 — estabelece uma alíquota total de aproximadamente 12% sobre a receita bruta das apostas, valor ainda tímido frente à magnitude dos danos sociais causados pelo setor. A proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de elevar essa carga para 18% representa um avanço inicial, mas já enfrenta forte resistência no Congresso. O Projeto de Lei nº 2505/2025, que propõe taxar em 50% os rendimentos de influenciadores que promovem casas de apostas, destinando os recursos à saúde mental e à valorização da enfermagem, também é um passo importante, embora ainda pouco considerado. 


Diante dessa realidade, a Bancada do SUS defende uma política de justiça fiscal e reparação social, que amplie significativamente a tributação sobre as BETS e assegure a destinação prioritária desses recursos ao fortalecimento do SUS, especialmente da RAPS. O objetivo é contribuir de forma qualificada para o debate público e influenciar políticas que respondam à altura dos impactos gerados por esse setor na saúde e no tecido social brasileiro.


A disparidade tributária é evidente: produtos com reconhecido impacto negativo à saúde pública, como os cigarros, são altamente taxados. Ampliar a carga tributária sobre as BETS não é apenas uma questão de justiça fiscal — é uma resposta urgente ao sofrimento coletivo causado por um modelo que enriquece poucos e adoece muitos. Os recursos arrecadados devem ser integralmente revertidos para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), com prioridade para a RAPS. Isso inclui a criação de linhas de cuidado específicas para ludopatia, formação continuada dos profissionais de saúde, ampliação da infraestrutura, e ações robustas de prevenção, regulação e acolhimento em todo o território nacional.


As apostas esportivas deixaram de ser apenas uma forma de lazer: tornaram-se uma epidemia silenciosa que fragiliza a saúde mental, corrói o orçamento das famílias e compromete a coesão social. Fortalecer o SUS é, hoje, uma medida de reparação — e de proteção ao futuro do país.


Monica Calazans 

Enfermeira, primeira a ser vacinada no Brasil contra a Covid-19


Paulo Spina 

Profissional da saúde mental no SUS. Doutor pelo programa interdisciplinar em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades USP 


Fernando Santander 

Morador de Itapevi e defensor do SUS na cidade


Ligia Tavares 

Mãe atípica, ativista da causa dos direitos daa pessoas com TEA e de apoio para famílias atípicas em São José do Rio Preto


Ana Maria Giannattasio Bozeda

Assistente Social, trabalha com terapia comunitária.